Verso do poema "(Des)motivo" - do livro "Moinho" - 1ª edição 2006; 2ª edição 2021

quarta-feira, 3 de maio de 2017

A mídia perversa e perigosa - o caso da Reforma da Previdência no Jornal da Record





Dois dias após o Dia do Trabalhador, vem mais uma vez aquela mídia perigosa para justamente dividir, e não unir, as classes trabalhadoras no Brasil.

Uso "classes" assim mesmo no plural, pois todos sabemos que os trabalhadores não são tratados de modo igual em terras em que já grassaram e grassam até mesmo marajás. A Constituição não se respeita em nosso país, porque sabemos bem: nem todo mundo é igual nas relações sociais, apesar de se propalar com documentos lindos e maravilhosos que "todos são iguais perante a lei". Podem até ser, mas isso somente em termos textuais. Também sabemos - essa consciência ardendo em nós - que o próprio Poder Judiciário no Brasil é manipulado de acordo com mãos e seus desejos. Isso também é cabível ao nosso Legislativo.

Se olharmos num dicionário qualquer, "perigo" é uma situação em que se encontra sob ameaça a existência ou a integridade de uma pessoa, um animal, um objeto etc.; um risco; ou ainda aquilo que provoca essa circunstância. Pois bem, o Jornal da Record de hoje à noite, 03 de maio de 2017, apresentou mais uma vez uma parte da série em que a emissora vem falando sobre a Reforma da Previdência. E o que vi e ouvi hoje nessa mídia - merecedora de nossas desconfianças como toda a grande mídia brasileira - foi de me assustar. Não foi um susto inesperado, inusitado. Pois já era previsível. O que vi foi justamente uma reportagem (situação) que ameaça os trabalhadores do Brasil. E os ameaça porque lhes deu informações recortadas de acordo com os interesses governamentais deste momento. Os interesses que atendem a um mercado industrial e comercial sequioso de sangue, suor e dinheiro. Estamos mesmo na era vampiresca. Não é à toa que se espalham pelo país um Temer caricaturado em Drácula. Pois bem parece um!

Venho acompanhando essa série, não por acreditar em tudo o que se diz nesse jornal, mas justamente para ver até onde pode ir uma falta de seriedade no âmbito do jornalismo. Uma falta de seriedade que é fruto de uma perversão, de uma índole propensa a atender às vontades do capital e a desrespeitar os direitos trabalhistas.

Na edição de hoje falou-se que os trabalhadores do setor público têm regalias que tendem a desaparecer com a Reforma. Enfatizou-se que os trabalhadores da rede privada estão em grande desvantagem. Apresentaram até números! Disseram, por exemplo, que um trabalhador do setor privado aposenta-se com um valor médio de R$1.100,00 mensais, enquanto que um funcionário público aposenta-se com o valor mensal de R$7.500,00 mais ou menos. Falava-se de uma média, é claro, e não referente a funcionários da nossa Alta Corte lá dos olimpos do Legislativo ou do Judiciário. A jornalista disparou com sobressalto: "um servidor público aposenta-se com um salário mais ou menos sete vezes maior do que o trabalhador do setor privado!".

E a reportagem parou nessa informação vazia, tendenciosa, sem mais explicações.

Todo discurso é tendencioso, é certo. Este meu aqui não deixa de sê-lo. Nem escondo as tendências do que falo. Mas o Jornal em questão escondeu sim. Recortou o que queria falar para demonstrar o que queria demonstrar. Todos nós fazemos isso quando falamos ou escrevemos. O pior é quando se faz o recorte omitindo-se informações fundamentais para que se entenda todo o processo.

A reportagem não falou, por exemplo, que o funcionário que aposentou com os R$7.500,00 pagou alto durante toda a sua vida laborativa para isso. E muito alto para uma previdência própria do funcionalismo público. O Jornal deveria ter criticado é o fato de que o salário mínimo no Brasil é uma vergonha, é baixíssimo, e que a maioria dos brasileiros contribui, geralmente, sobre o salário mínimo, vindo a aposentar-se somente com esse salário ou pouco mais que isso. O Jornal não falou que o governo precisa elevar o salário mínimo a um valor mais justo, precisa fazer com que os brasileiros contribuam com uma previdência que lhes garanta uma aposentadoria mais condizente com a sobrevivência na terceira e mais avançada idade. O problema não é a maioria dos funcionários públicos que paga caro por toda a vida para ter uma aposentadoria mais tranquila. Os problemas são outros dois: 1. a grande maioria dos brasileiros ganha pouco e aposenta-se com menos ainda; 2. uma minoria de funcionários públicos (os do alto escalão) ganha muito e aposenta-se com muitíssimo. E, o que é pior, muitos desses funcionários do alto escalão acumulam ganhos e aposentadorias que vão muito além do teto permitido pela nossa Magna Carta, a nossa Constituição. Mas isto aqui é apenas um detalhe, pois esta carta já não é tão magna assim num país em que as leis vão e vêm como folhas de bananeira, ora atendendo a esses ora a outros interesses. Mesmo que as leis sejam firmes, elas só valem ao bel prazer das interesseiras interpretações.

O Jornal não falou nada disso, porque estamos na era do discurso defensor da ideia de que, para melhorar o país, temos que tirar direitos e não melhorar os precários e vergonhosos que existem para a maioria.

E vale lembrar que o nosso governo, tão preocupado com os cofres públicos, nem fala em reforma tributária. Isso num país afogado em crise, um país onde as grandes indústrias têm regalias e não pagam os impostos que deveriam pagar. E mesmo assim elas estão dentro das leis brasileiras, cujo sistema tributário é vergonhoso.

Nesses tempos de perigo, de mídias nada confiáveis, perigosas e perversas, devemos ainda nos assombrar cada vez mais. Afinal, um país que permite um golpe parlamentar só pode esperar sangue-sugas no poder. Vampiros com olhos ofuscados por cifrões desumanos, amantes do mercado impassível e absoluto. Olhos de Drácula.


© Evaldo Balbino 2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário