Nascido no Projeto Lecriar, do Colégio São Mateus em Montes Claros, Minas Gerais, o livro Mãe, a ti, nossos primeiros versos (Montes Claros-MG: Editora Gráfica Millennium, 2019. 76 p.) conta com prefácio assinado pela professora-pesquisadora e mestre em Literatura Brasileira, Noêmia Coutinho Pereira Lopes. Coordenado pela professora Joyce Aparecida Andrade Freitas e levado adiante pela professora Pollyanna Luiza Corrêa Ruas, o projeto busca despertar e consolidar nas crianças o amor pelas palavras, o que lhes garante o direito à literatura, nos termos de Antonio Candido.
A prefaciadora Noêmia abre o lindo livro com palavras de Mirna Pinsky em epígrafe, uma frase que nos diz exatamente das palavras fazendo pontes entre as pessoas, pois nossas palavras, as primeiras e pela vida afora, sempre bebem nas águas alheias ("O que veio primeiro foi o encantamento pelas palavras de outros."). Daí a importância da alfabetização e do letramento, pois, em contato com outras vozes, vamos erguendo as nossas próprias. E por que não fazer isso por meio da poesia? Afinal, o poetar nos habita a todos!
As organizadoras do livro, Joyce e Pollyanna, tecem uma apresentação para a brochura, e o fazem buscando em Paulo Freire a premência de que nós educadores temos consciência: é preciso que a leitura seja um ato de amor. E foi esse amor que levou as professoras Pollyanna, Joyce e Noêmia (respectivamente, ministradora das aulas, supervisora e orientadora) a estimularem os educandos a conhecer, aprender e vivenciar a escrita de poemas. Aqui a escrita surge como um processo de construção social e de emancipação do sujeito que, via linguagem, se constrói e erige seu lugar e sua expressão no mundo.
Os autores-mirins são vários, e variada é a produção que se nos oferece. Com o sempre amor no manuseio das palavras.
Convidados a caminharem pela estrada da leitura e da escrita, os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental I (alunos do 4º e do 5º ano, cuja faixa etária, pois, gira em torno de 9 a 10 anos) aceitaram a poesia e se puseram nas trilhas das palavras, com versos rimados ou não, homenageando as mães. Fotos dos discentes alternam-se com os poemas. E estes, carregados de amor pelas mães, poetizam as relações e a vida.
Os versos são predominantemente curtos, em sua maioria perto das sete sílabas. É a presença da redondilha a mostrar a popularidade dessa dicção, duma oralidade tão cara em nossas vidas e com a qual as crianças convivem desde cedo. Daí a facilidade com que a garotada aprende facilmente os redondilhos.
Iniciando-se na escrita de metáforas, os autores-crianças já vão criando imagens para as mães representadas nos poemas. Assim ocorre em versos simples como estes, nos quais a alegria se associa à primavera por oposição à fera — e tudo isso é imagem da mãe:
Mãe é pura alegria!
É alegria todo dia.
Às vezes, é uma fera!
Em outras, primavera. ("Amor de mãe", p. 31)
Atrelando-se à alegria e à positividade do ser materno, surge a mãe-herói, amazona forte e protetora, o que na tradição — em termos de fortaleza — é atribuído frequentemente aos homens e não às mulheres:
Toda noite você me dá um beijo
e realiza o meu desejo.
Em meu sonho, ergue a espada.
Amazona mais amada. ("Mãe", p. 17)
O ser da mãe é associado, também em linguagem figurada, ao brilho. Metonimicamente, parte-se do sorriso da mãe para dela se falar, do brilho do sorriso, do brilho da mulher-mãe. E a comparação com o diamante surge, vencendo na balança poética a existência materna:
Seu sorriso é tão brilhante;
vale mais que um diamante!
Seu amor é tão gigante,
bem melhor que um romance. ("Mãe", p. 17)
A imagem do brilho, da luz, comparece na ideia do parto, desse ato de dar à luz um ser infante. Mas aqui, nos poemas de Mãe, a ti, nossos primeiros versos, as crianças têm voz, voz poetizada, e não são de modo algum in-fantes (sem fala). O escrever como falar, como ato existencial. O gesto de dar à luz um filho — e também de dar-lhe a luz — é do mesmo modo o ato de conduzi-lo pelos meandros dessa mesma luminosidade:
Você que me deu a luz
e agora me conduz. ("Mamãe", p. 45)
Essa condução é do nível dos afetos, mas também, sem dúvida alguma, se relaciona com o estar no mundo e estar envolvido em tudo o que ele nos coloca. Assim, por exemplo, se fala da educação num mundo consumista:
Quando vamos ao shopping
e eu insisto em gastar,
você diz: "na volta posso pensar",
mas eu sei que não vai comprar." ("Nossas mães", p. 49)
Num exorcismo da solidão, a qual já nos segue desde a nossa infância, levanta-se o desejo da presença materna, presença que nos dá sentido para a vivência:
Quero você sempre comigo.
Quando você sai,
deixa meu coração partido
e a casa fica sem sentido. ("Te amo, mãe!", p. 25)
A não presença da mãe é abertura para o sentimento de autoexílio, ausência de si mesmo que o filho experimenta:
Mãe, em vez de ficar exilado,
eu prefiro ficar ao seu lado. ("Mãe", p. 37)
Tal sentimento negativo é afugentado em outros poemas, quando se tem certeza da presença (mesmo que na ausência) da figura materna:
Quando eu estiver sozinho no mundo,
sua luz vai me guiar.
Você é a mais importante!
Sempre vou te amar. ("O valor das mães", p. 51)
Quando a noite chega,
ela me abraça e me beija
e mesmo em meu quarto sozinho,
sei que ela não me deixa. ("Mãe", p. 69)
Os poemas dos jovens escritores não deixam de representar o lado humano do amor, pois até mesmo os sentimentos filiais e maternais são atravessados pelo que há de humano em nós, com erros e acertos:
Sempre brigamos
e também nos desculpamos.
Somos humanos;
assim, erramos e amamos! ("Mãe", p. 59)
Outra questão a ser pontuada é a diversidade na representação das mães, a pluralidade de identidades, a certeza poética e vital de que na existência não existe o estereótipo de Mãe Universal:
Tem mães que são atletas,
praticam até natação.
Outras são tranquilas
e adoram ouvir canção! ("Mãe", p. 75)
Assim são estes poemas: expressões dos afetos e do mirar o existir de mães e filhos. Passos primeiros e primordiais dos pés (e das mãos) no jogo com as palavras, para extrairmos delas as vozes outras e as nossas, a leitura amorosa e amante, a escritura que nos constrói poeticamente na vida.
© Evaldo Balbino — setembro de 2021
Lindos poemas,a cada trecho, uma doce lembrança de infância,um belo afago do amor tão puro e singular de uma mãe! Parabéns a todos!!!
ResponderExcluirQuerida Renata, grato por seu comentário. Poetizemos as memórias!
ExcluirSublime! Parabéns!!!
ResponderExcluirGrato, sempre! E que as crianças sejam estimuladas a entrar nas veredas da literatura!!!!!!!
ExcluirBelas palavras, Evaldo! Belo trabalho, Polly, Joyce e Noêmia! Que orgulho ser colega de pessoas tão dedicadas e capazes. Nossas crianças merecem vocês. Parabéns!!!
ResponderExcluirFascinante!!! Que as nossas crianças sejam cada vez mais estimuladas a caminhar pela estrada da leitura e da escrita.
ResponderExcluirParabéns aos alunos do Colégio São Mateus e à professora Noêmia Coutinho por mais um maravilhoso trabalho desenvolvido, agora em parceria com as professoras Poly e Joyce.
ResponderExcluirLinda resenha, Prof. Evaldo Balbino! Obrigada pela gentileza de ler o livro! Foi um prazer desenvolver esse trabalho, em parceria com as Professoras Joyce Aparecida Andrade Freitas e Pollyana Luiza Corrêa Ruas! Alunas e alunos se envolveram com a proposta e mergulharam no mundo da escrita, brindando-nos com poemas cheios de amor em homenagem às mães. Continuemos acreditando no poder transformador da Educação!!! Abraços!
ResponderExcluirMeus queridos, ler o livro foi uma honra para mim. Obrigado, professora Noêmia, por me conceder tal presente. Há tempos fiz a leitura, mas somente agora consegui parar para revisitá-la e, a partir de agora, buscar retomar as resenhas no meu blog.
ResponderExcluirQuando vejo projetos assim, que levam as crianças ao mundo da literatura, fico fascinado. Fico feliz, pois vejo que a Educação é o caminho. Parabéns às professoras e aos alunos!!!
A honra foi nossa!!! Certamente, alunas e alunos do Colégio São Mateus, bem como as respectivas famílias ficarão muito contentes de verem o livro resenhado por alguém de tamanha competência e sensibilidade, Professor Evaldo! Como sabe, já levei seus livros para minhas aulas! Suas palavras são fonte de inspiração!
ExcluirFoi um prazer trabalhar com as colegas, Professoras Joyce e Polly e conhecer as produções das turmas delas!
Sigamos acreditando na Educação! Abraços!
Professor Evaldo Balbino, estou encantada com suas palavras. Sou Pollyanna, uma das professoras envolvida no projeto. Foi muito gratificante trabalhar com Noêmia e Joyce e levar aos alunos um pouquinho da paixão pela leitura e escrita que partilhamos. Mais gratificante ainda, foi ver os olhos dos alunos brilhando ao pegarem em um livro escrito por eles.
ResponderExcluirMuito obrigada pela resenha!
Prof. Evaldo, agradeço imensamente pela apreciação do livro. Sou Joyce Freitas, elaborei o projeto e o coordenei, contando com a Noêmia, sempre tão disponível para revisão, escrita do prefácio e para tantos outros momentos necessários para a sua concretização, e com a Pollyanna que executou, brilhantemente, em sala de aula o projeto, instigando os alunos a darem o melhor deles. Sinto-me honrada em ler cada pedacinho da sua resenha. No decorrer da leitura do seu texto, pude relembrar dos alunos e seus processos de escrita. Tantas idas e vindas de textos, escrita, revisão, correção. Cada poema diz muito de cada aluno e da sua relação com a escrita.
ResponderExcluirQue linda resenha!
Um afago no coração ler estes poemas tão singelos e uma resenha que ressalta toda a beleza de como as crianças enxergam suas mamães. "Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita"!
ResponderExcluirLendo essa resenha, deu muita vontade de ler esse livro! Maravilhoso!
ResponderExcluirLindo, lindo e lindo!!!!
ResponderExcluirOrgulho por fazer parte da mesma equipe de educadores integrada pelas professoras Joyce Freitas, Pollyanna Corrêa e Noêmia Coutinho! A literatura é levada a sério por essas profissionais! Deus, por Cristo Jesus, seja louvado pela vída de cada uma!
ResponderExcluirParabéns! A literatura encanta a alma.
ResponderExcluirParabéns a todos os envolvidos nesse trabalho. Realmente encantador. Como já disse o grande Drummond" Aa crianças são poetas por natureza".
ResponderExcluirParabéns a todos!
ResponderExcluirQue bacana esse incentivo à literatura!
Muito bacana, parabéns a todos! Abraços Noemia!
ResponderExcluirEliane Braga.