Vira e mexe vou a Montes Claros para atuar como membro titular de
bancas de mestrado, avaliando trabalhos acadêmicos que me surpreendem sempre
pelo caráter acurado das pesquisas realizadas na Universidade Estadual de
Montes Claros (UNIMONTES). Numa dessas empreitadas, conheci a então candidata a
mestre, hoje já portadora do título, Noêmia Coutinho Pereira Lopes.
Na ocasião, a professora Noêmia muito me surpreendeu com sua
intensa dedicação ao ensino. E a partir de então continuamos em contato, mesmo
que à distância. Ela me disse de um projeto de leitura e escrita que desenvolve
com seus alunos do Ensino Fundamental, intitulado “Escritores da liberdade na
estrada de tijolos amarelos”, numa referência aqui ao fabuloso e inesquecível mundo
de Oz criado por L. Frank Baum.
Recentemente, agora em agosto de 2017 num congresso no Rio de
Janeiro, nós nos reencontramos e ela me presenteou com três livros de alunas
suas que participaram do referido projeto: Lara Carneiro Magalhães, Bibi
Ribeiro e Anna Luiza Rocha. Cito os nomes seguindo os anos de edição de cada
livro, respectivamente, 2015, 2016, 2017. E seguindo essa ordem, comecei a
leitura pelo livro Desatino, de Lara,
editado em 2015. Feita a leitura desse volume de poesias, deixo aqui algumas
notas.
Estamos no terreno da poesia. E me alegra ver alguém tão jovem
(Lara Carneiro nasceu em Montes Claros em 2001) trilhando esse terreno. E
acrescento que, no livro em questão, as ilustrações de Karoline Soares recriam
com arte e sensibilidade as sensações construídas pelos poemas.
De imediato Lara nos coloca diante da importância, para si, do
escrever, da escrita que se faz como busca de autoconhecimento e de
entendimento: “Atualmente, escrevo porque encontro nas palavras tudo de que
preciso. Posso fazer delas o que eu quiser [...] Este exemplar é apenas uma
mera tentativa de fazê-lo, de achar um ponto na reta em que eu realmente me
encontre” (“Nota da autora”, p. 7). A busca por esse “ponto na reta” se
configura numa imagem bela criada pela jovem autora no poema “Sintonia
contraditória” (p. 44): “Páginas nunca terão asas, / Palavras sempre têm.”. E é
nas asas das palavras que a poesia se faz, voando, permitindo ao sujeito
desejar e criar imagens para o seu desejo: “Pois que amemos; apaixonemo-nos às
danças sutis dos ventos!” (“O conceito do amor”, p. 38).
No livro como um todo, encontramos aqui e acolá momentos que
demonstram o tato da autora com as palavras poéticas, o que demonstra
possibilidades de ela avançar pelo campo da poesia – esta “estrada amarela” –,
caso prossiga nessa senda como leitora da boa arte poética e como produtora
constante e persistente de textos nessa linha. Assim destaco algumas imagens
tais como: “Eu sonho / Sonho com a neve / Nevando quente / Veneno de serpente /
Sonho pesadelo / Simplesmente sonho” (“Sonhos”, p. 54) e “Um vazio cheio de
nada / Uma escuridão iluminada / Um fogo de chamas frias / Um poema sem rimas /
É o tempo se consumindo” (“Como é”, p. 24). Essas imagens paradoxais apontam
para a potência do sonho e também para a passagem do tempo, o tempo escoando e
ecoando também no belo poema “Relógio de bolso” (p. 20), em que se tece um
desejo de parar o tempo, o inexorável tempo.
Destaco outros poemas que, no todo, são melhor realizados, pois
apresentam linguagem ágil, condensada, com imagens que mais sugerem do que
realmente dizem. E isso, sabemos, é um dos grandes alicerces da poesia. Tais
poemas são “Plano de fuga” (p. 55), “Identidades” (p. 58-59), “Nosso tesouro”
(p. 71) e “Sabor de chuva” (p. 77). Destaco este último, onde as imagens
rápidas e inusitadas são certeiras, recriando sensações do ser atreladas ao
momento líquido que a chuva proporciona: “Chuva / Chovendo / De mansinho, / Paira
/ No ar / Sinal de / Sapo.” (p. 77). Querem imagem mais interessante do que
esta, onde se sentem a cena e a sensação úmida da chuva e do coaxar do sapo se
imprimindo no leitor?!
No todo, o livro discorre sobre sentimentos e olhares adolescentes
acerca do mundo ao redor. Talvez isso chame a atenção de leitores dessa faixa
etária. Acrescento, no entanto, que também me chama a atenção o desejo de
poetar que vemos em Lara Carneiro, e um desejo de fazer da poesia uma
possibilidade de construir e se construir em termos de identidade. Assim vemos
no poema “Espelho quem?” (p. 26) um eu fragmentado que se busca: “Espelho,
quebrado / Inútil, mal-amado / Que nos revela / Rachados, solitários, cortados
/ Quebrados / Essa sou eu?”. Essa busca, porém, encontra caminhos vagos, pois o
trajeto identitário à frente deve ser construído com incertezas como se lê em “Qualquer
coisa” (p. 32-33): “Porque aquele pássaro que voa é o meu caminho / E me guiará”.
E que na incerteza futura encontremos Lara com mais livros, nessa
empreitada-pássaro do viver e do poetizar. Que o seu desejo vigoroso de
escrever nela permaneça e que continue lendo e escrevendo, se fazendo como
escritora. Enquanto houver pessoas assim, a literatura sempre terá forças.
©
Evaldo Balbino 2017