Verso do poema "(Des)motivo" - do livro "Moinho" - 1ª edição 2006; 2ª edição 2021

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A nossa história em cinzas: o perigo do esquecimento






No fim do dia de ontem, na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro, o Museu Nacional em chamas mostrou com evidência um país que abandona todos os dias as suas culturas. Já vítima há tempos de uma degradação paulatina (com falta de verbas governamentais, de reformas adequadas, de financiamentos etc.), o museu viveu ontem o ápice a que pode chegar um desgoverno, um barco aparentemente sem capitão e sem leme que demonstra ser o Brasil.

Aparentemente sem capitão e sem leme é o nosso país. Pois existem sim capitães lá em Brasília e em todas as outras instâncias executivas da nossa nação. O barco, que parece à deriva, na verdade segue rumos de acordo com a sede de dinheiro e de poder dos tais capitães. Os umbigos dos caciques políticos falam mais alto do que as reais necessidades da civilização brasileira. E são várias essas necessidades, entretanto falo aqui basicamente dos imperativos culturais. Constatar isso me faz ter um sentimento perigoso de frustração e me faz ver as caras de políticos (em panfletos, na televisão e na internet) como figuras reais de seres que utilizam a política como carreiristas e sanguessugas no corpo do povo.

Quem andar pelo Brasil afora terá o desprazer de presenciar o descuido com nossa arquitetura, o desprezo para com nossa memória histórica e cultural. Rios de dinheiros são gastos com eventos populares, com festas de exposição agropecuária, com apoio a torneios esdrúxulos onde animais são objeto de diversão humana, com shows de qualidade duvidosa. Mas pouco ou quase nada se investe, por exemplo, em nossos museus. Há exceções. E, como este substantivo indica, são poucos os casos extraordinários. O desleixo que vemos em nosso país em relação aos bens culturais é estratégia de um governo ao qual interessam o lucro próprio dos seus ocupantes e o lucro das elites endinheiradas daqui e do mundo.

Há quem veja, infelizmente, qualquer museu como coisa do passado. Tal pensamento encara o tempo como se fosse apenas um agora se projetando para o futuro e desdenha tudo o que construiu e constrói constantemente nossa agoridade. Somos o que somos em construção, porque diversos fatores vieram e vêm confluindo para o que estamos vivendo hoje. O esquecimento é um perigo para qualquer cultura. Esquecer é perder a identidade. Esquecer é deixar que males se repitam, que explorações se reatualizem, que os grandes problemas históricos retornem fantasiados ou não com outras máscaras. Se forem as mesmas assombrações do passado a retornarem, muitos as têm por novidade. E isso por desconhecimento da nossa história, da nossa formação cultural.

Estamos, indubitavelmente, num país onde existe um culto ao esquecimento. Habitamos uma nação onde constantemente transformamos em cinzas parte da nossa história ou, às vezes, toda ela. Estamos num país em que forças reacionárias, violentas e perigosas, ressurgem a toda hora como vozes heroicas, como salvadoras da pátria. Como acreditar num país em que muitas pessoas dizem que votarão em discursos militares defensores, por exemplo, de torturas a adversários políticos historicamente conhecidas?

A tática das forças reacionárias de nosso país é o apagamento, o esquecimento. Um povo sem memória é escravo da alienação, é marionete, é fantoche. Um país que não apoia e não reconstrói cotidianamente suas culturas, suas memórias, é um país fadado a ser um barco não à deriva, mas uma nave dominada por capitães que são donos do privilégio econômico.

O incêndio que começou ontem no Museu Nacional e que atravessou praticamente a madrugada do dia de hoje é mais uma demonstração de como nossos governantes zelam pela nossa cultura. Acidentes acontecem. Mas não garantir infraestrutura adequada para se evitar ou combater tais acidentes ou é loucura ou é malícia devotada a interesses espúrios. E eu digo que se trata de malícia e de interesses espúrios. Interesses de governos que passam ao largo de qualquer democracia.
Hoje pela manhã, o museu em cinzas. E para que esta fênix renasça, precisamos dos brasileiros de olhos abertos, precisamos de cidadãos mais antenados com as questões culturais do seu país, necessitamos de eleitores mais atentos e mais ativos para acompanharem a atuação de nossos governantes.


© Evaldo Balbino 2018

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