No fim do dia de ontem, na Quinta
da Boa Vista no Rio de Janeiro, o Museu Nacional em chamas mostrou com evidência
um país que abandona todos os dias as suas culturas. Já vítima há tempos de uma
degradação paulatina (com falta de verbas governamentais, de reformas
adequadas, de financiamentos etc.), o museu viveu ontem o ápice a que pode
chegar um desgoverno, um barco aparentemente sem capitão e sem leme que demonstra
ser o Brasil.
Aparentemente sem capitão e
sem leme é o nosso país. Pois existem sim capitães lá em Brasília e em todas as
outras instâncias executivas da nossa nação. O barco, que parece à deriva, na
verdade segue rumos de acordo com a sede de dinheiro e de poder dos tais
capitães. Os umbigos dos caciques políticos falam mais alto do que as reais
necessidades da civilização brasileira. E são várias essas necessidades, entretanto
falo aqui basicamente dos imperativos culturais. Constatar isso me faz ter um sentimento
perigoso de frustração e me faz ver as caras de políticos (em panfletos, na
televisão e na internet) como figuras reais de seres que utilizam a política como
carreiristas e sanguessugas no corpo do povo.
Quem andar pelo Brasil afora
terá o desprazer de presenciar o descuido com nossa arquitetura, o desprezo
para com nossa memória histórica e cultural. Rios de dinheiros são gastos com
eventos populares, com festas de exposição agropecuária, com apoio a torneios esdrúxulos
onde animais são objeto de diversão humana, com shows de qualidade duvidosa. Mas pouco ou quase nada se investe,
por exemplo, em nossos museus. Há exceções. E, como este substantivo indica,
são poucos os casos extraordinários. O desleixo que vemos em nosso país em
relação aos bens culturais é estratégia de um governo ao qual interessam o
lucro próprio dos seus ocupantes e o lucro das elites endinheiradas daqui e do
mundo.
Há quem veja, infelizmente, qualquer
museu como coisa do passado. Tal pensamento encara o tempo como se fosse apenas
um agora se projetando para o futuro e desdenha tudo o que construiu e constrói
constantemente nossa agoridade. Somos o que somos em construção, porque
diversos fatores vieram e vêm confluindo para o que estamos vivendo hoje. O
esquecimento é um perigo para qualquer cultura. Esquecer é perder a identidade.
Esquecer é deixar que males se repitam, que explorações se reatualizem, que os
grandes problemas históricos retornem fantasiados ou não com outras máscaras. Se
forem as mesmas assombrações do passado a retornarem, muitos as têm por
novidade. E isso por desconhecimento da nossa história, da nossa formação
cultural.
Estamos, indubitavelmente, num
país onde existe um culto ao esquecimento. Habitamos uma nação onde constantemente
transformamos em cinzas parte da nossa história ou, às vezes, toda ela. Estamos
num país em que forças reacionárias, violentas e perigosas, ressurgem a toda
hora como vozes heroicas, como salvadoras da pátria. Como acreditar num país em
que muitas pessoas dizem que votarão em discursos militares defensores, por
exemplo, de torturas a adversários políticos historicamente conhecidas?
A tática das forças
reacionárias de nosso país é o apagamento, o esquecimento. Um povo sem memória
é escravo da alienação, é marionete, é fantoche. Um país que não apoia e não reconstrói
cotidianamente suas culturas, suas memórias, é um país fadado a ser um barco
não à deriva, mas uma nave dominada por capitães que são donos do privilégio
econômico.
O incêndio que começou ontem
no Museu Nacional e que atravessou praticamente a madrugada do dia de hoje é
mais uma demonstração de como nossos governantes zelam pela nossa cultura.
Acidentes acontecem. Mas não garantir infraestrutura adequada para se evitar ou
combater tais acidentes ou é loucura ou é malícia devotada a interesses
espúrios. E eu digo que se trata de malícia e de interesses espúrios. Interesses
de governos que passam ao largo de qualquer democracia.
Hoje pela manhã, o museu
em cinzas. E para que esta fênix renasça, precisamos dos brasileiros de olhos
abertos, precisamos de cidadãos mais antenados com as questões culturais do seu
país, necessitamos de eleitores mais atentos e mais ativos para acompanharem a
atuação de nossos governantes.
© Evaldo Balbino 2018
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