Evaldo Balbino
Que tiro foi esse?! Não, não
vou falar aqui no tom jocoso e na piada pela piada do funk que tomou as pessoas pelo Brasil afora nestes últimos meses.
Rir por rir também é bom, nosso corpo e mente agradecem. Mas nossa mente e
corpo precisam também, e sobretudo, de bombardeios ferinos, de arte que se faz
com estética e ética.
O tiro foi dado neste
Carnaval de 2018 pela Paraíso do Tuiuti. Com o tema do trabalho escravo na
história do mundo e do Brasil, a escola de samba arrebatou a atenção de muitos,
chegando a ser o assunto do momento. Graças a Deus!!! Coisas boas ainda atraem
as pessoas.
Levando ao desfile o enredo
“Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”, o carnavalesco Jack
Vasconcelos faz uma pergunta retórica e joga na cara do mundo um NÃO
retumbante.
Os carros alegóricos
fizeram desfilar na Sapucaí a memória triste da opressão que atravessou os humanos
em suas relações de poder. Mas a tristeza dessa memória não é motivo para
lamentações e muito menos para esquecimento. Muito pelo contrário. A arte vem
com toda força para nos dizer que o passado e o presente devem ser passados e
repassados a limpo, criados e recriados, encenados e reencenados. E nessa
performance memorialística nós podemos pensar, sentir, refletir nos modos como
negar os males de nosso mundo e como construir futuros. Nega-se não para
olvidar, mas no sentido de questionar para fazer diferente.
Alguns chegaram a dizer, e
não deixam de estar certos, que a escola de samba trabalhou com generalizações
quando, por exemplo, abordou diferentes culturas do continente africano. Isso é
fato. É um fato que, porém, não tira o mérito da Paraíso do Tuiuti em denunciar
que a escravidão não acabou no mundo. E muito menos no Brasil.
O enredo foi se
concentrando aos poucos na história do nosso país. E chegamos, mais ao final,
ao momento sociopolítico e econômico que vivemos em nosso país: um momento de
retrocesso nas conquistas sociais.
A ala dos Guerreiros da CLT
bradava carteiras de trabalho, denunciando-se com isso os abusos a que os
trabalhadores têm sido cada vez mais submetidos.
O último carro alegórico
nos trouxe um lance definitivo – o presidente vampiro e diabólico na sua
pomposa faixa presidencial. Faixa essa arrebatada num golpe de estado. No topo
de um carro chamado justamente Neo Tumbeiro, uma reatualização do navio
negreiro denunciado por Castro Alves, essa encarnação do presidente Michel
Temer nos olhava com olhos ávidos e um rosto branco entre dólares.
Na parte mais baixa desse
carro, fantoches eram “manifestoches” batedores de panelas. Manifestantes sem vontade própria. Patos
com cifrão nos olhos, panelas sendo batidas em suas mãos, todos eles eram
marionetes dos altos poderes industriais, jurídicos e midiáticos. E todos, nessa
dança política vergonhosa do Brasil, manipulados sob a batuta do grande vampiro
Michel Temer, como representado.
Apareceram panelas que, bem
no seu dentro, traziam colados papéis com o dizer “Fora, Temer!”. E isso, mesmo
dentro das panelas, não foi feito “por debaixo dos panos”. Não, não foi feito! Muitas
personagens marionetes eram submetidas pelos atores, e estes artistas faziam
questão de mostrar o de dentro das panelas para as pessoas e para as câmeras de
televisão. Na arte a liberdade pode gritar, atirar, arremessar, jactar, jogar. Lançar
aos quatro ventos o que se quer dizer, toda e qualquer palavra presa na
garganta.
E nesse momento os
comentaristas da Globo quase nada puderam falar. Até então, durante o deslizar
do enredo crítico, esses mesmos comentaristas diziam de detalhes sobre o
passado do Brasil e do mundo. Agora, no arremate, proferiram generalidades, não
arriscando descolar-se muito das figuras da encenação. Falavam de "classe
dominante, “faixa presidencial”, "vampirão". Até mesmo quanto à ala dos manifestantes
fantoches, os anotadores ficaram vexados e nem ousaram nomear, para além das
figuras, os bichinhos amarelinhos que, em profusão, deslizavam pela Sapucaí. Os
comentaristas, coitados, são também escravos. “Escravos" da patroa Globo. Vítimas
como muitos de nós de um grande bandido: o grande empresário que paga o nosso salário
e que exige que falemos só o que pode ser dito.
O tiro foi dado na Sapucaí. Bem na cara da corrupta política
brasileira. Na cara dos grandes empresários. Na cara das mídias-níqueis. Na
cara dos altos juristas sanguessugas. Na cara, por fim, das muitas pessoas
alienadas das classes médias; das que, batendo panelas, julgaram-se donas de si
mesmas quando, na verdade, eram títeres nas mãos dos que de fato detêm os poderes
em nosso país.
© Evaldo Balbino 2017
Excelente, Evaldo. Por que não publica em blogs de circulação nacional tais como o Jornal GGN do Luís Nassif ou no Brasil 247?
ResponderExcluirTexto necessário e muito oportuno. Parabéns!
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