O principal de tudo era o sapo jardineiro.
Chapéu e calça azuis, uma camisa vermelha com esmaecidos laivos de branco. O
chapéu era meio mexicano, para proteger do sol: rebaixado na cabeça e de abas
razoavelmente largas. As cabeças dos sapos já são mesmo achatadas. Talvez fosse
por isso que o chapéu era assim. E o sapo de que falo era verde. Nunca vi de
verdade nenhum dessa cor. Os sapos da minha vida sempre foram de um tom mais sério,
fechado. Me apaixonei pelo sapo que, sei muito bem, nunca viraria príncipe. Nem
precisava virar.
As flores eram várias e muitas. De cores
que eu nunca imaginara habitassem em flores. Rosas, vermelhas, azuis, amarelas,
verdes, anis, violetas, laranjas e outros tons mais que já se misturaram nas
memórias dos meus olhos. Brotavam do chão como brotam desejos de vida, anseios
por alegria e eternidade. As florezinhas e suas folhas enfeitavam a terra e o
gramado do jardim.
As borboletas também eram multicores: leves
sobre o jardim, levitando entre lavadeiras e passarinhos. Se não fosse o apelo
visual aos meus sentidos, eu imaginaria mulheres lavando roupas num riacho, bem
no debaixo de pássaros folgazões. Mas meus dedos tocavam o livro, meu corpo
sentia seu cheiro, meus olhos beijavam sua página colorida. E o que eu via eram
insetinhos alados sobrevoando como helicópteros vivos as águas de uma fonte
azul e branca. Com seus dois pares de asas transparentes, com seu corpo compridinho
e cheio de anéis, cada uma das lavadeiras dava voltas pelo jardim e retornava
sempre em voos rasantes para a fonte fresca e convidativa.
E os ovos verdes e azuis nos ninhos? Onde
estavam? Lá jaziam, porém num só ninho, bem em cima do braço da estátua de
primavera, uma menina linda, fantasmal, com cabelos longos e face branda. Toda
ela de pedra, talvez, mas parecendo macia na sua alvura quase transparente.
Sobre a sua cabeça, um pássaro descansando de voar. Em cada orelha uma flor,
possivelmente furtadas por ela mesma do jardim. Ou então não tenha sido roubo,
e sim oferta amável do sapo jardineiro e dócil. A menina de pedra segurava um
balde também pétreo, do qual jorrava a fonte de água azul e branca.
Vagando sobre a mureta da fonte, o caracol
namorava a queda d’água. Tomava sol úmido, esperando pelo arco-íris que ainda
não aparecera. O raio de sol já atravessava as águas, só que o arco-celeste trazia
ares tímidos, hesitando em mostrar-se ao caramujo exibido e celestroso. As
antenas da lesminha estavam ligadas, voltadas para o ar líquido e levemente
rumoroso à beira da fonte, esperando por mais vida onde a vida já era muita.
O lagarto, também verde, andava entre o
muro e a hera. Do mesmo modo nunca vi, de verdade, lagartos verdes. Nunca fui
apresentado a nenhum de carne e osso. Porque os répteis são vertebrados,
aprendi isso desde cedo. E o verde lagarto, embrenhando-se pela trepadeira,
sentia cada tijolo frio do muro, que era coberto de musgo num setembro que ia
entrando. E ali o bichinho se misturava ao verde da planta.
O formigueiro, bem perto de tudo, era cerro
alto galgado por formigas incansáveis. Em fila indiana, subiam e desciam as obreiras.
Perto do sapo e do formigueiro, um grilinho dentro do chão, vindo de um
buraquinho da terra e espreguiçando-se do sono tranquilo que tivera lá no escuro
da toca. Era um grilinho preguiçoso, se podia ver.
Sentada no muro da fonte, ao lado da
estátua de primavera, a cigarra tinha as pernas cruzadas onde apoiava seu
violão. Ela e o instrumento eram uma coisa só, pura música e cor e vida. De
olhos fechados, ela parecia sonhar com o que cantava. Sua boca fundava mundos,
ditava o compasso da existência. O sapo, as flores, as borboletas, as
lavadeiras, os passarinhos, os ovos verdes e azuis nos ninhos, a estátua de
primavera, o caracol, o raio de sol, o lagarto entre o muro e a hera, o formigueiro,
o grilinho e a cigarra cantando eternamente. Tudo isso era fruto do canto da
cigarra.
E a cigarra verdadeira, voz humana poetizada, era Cecília Meireles no
seu canto. A poeta leiloava com palavras um jardim e as belezas dele. E assim
ela me vendeu a beleza para a vida inteira. Não somente ela, mas também Maria
Ângela Haddad Villas e Roberto Caldas, os ilustradores que tornaram mais pictural
ainda o poema da autora que me enfeitou a infância.
© Evaldo Balbino 2018