A gente chega ao supermercado na
maior alegria do mundo. Nada nem ninguém nos tirará a felicidade, a cara
querendo fazer amigos com gente e bicho. O dia é bonito, apesar de elétrico num
trânsito louco. As filas são imensas lá perante os caixas, mas aguardaremos,
pacientes, que os funcionários nos atendam também com paciência e sorriso.
Mesmo trabalhando muito, coitados, se deixarão contagiar pela beleza de hoje.
E mais ainda. A gente chega ao
supermercado convictos de que as prateleiras não nos enganarão. Nada de comprar
o supérfluo, aquilo que não consta na lista feita em casa, num acurado olhar
que tudo vê e espreita. As contas sobem, a vida em sua base urge, e não podemos
nos entregar a desmedidas que não cabem no bolso. E quem foi que disse que isso
é motivo para não se estar feliz? Felicidade não se adquire consumindo com
exageros.
Salgadinhos, chocolates,
frituras industrializadas em pacotes cheios de sal, sorvete cremoso, balas de
caramelo prometendo derreter-se aos poucos nos paladares ansiosos, enlatados
daquilo que é mais caro e que vem das industrias cheio de conservantes, o arroz
parboilizado quando o branquinho mesmo ou integral simples nos servem, latas
coloridas de refrigerantes agenciados por inteligentes propagandas, a cerveja
gelada e chamativa prometendo “descer redonda” nos dias quentes, o queijo
padrão ou o moçarela ou ainda o importado quando podemos pegar o minas frescal ali
mesmo gotoso e oferecido. A lista não termina nunca mais. E é proporcional aos
nossos ziguezagues pelos corredores sem fim dos labirínticos supermercados.
O vilão mesmo é o açúcar. Mais
ainda: tudo o que se faz com ele e que já vem pronto, pois, além de delicioso,
é prático. Só de pensar em não ficar horas na cozinha preparando o bolo, o
pudim, a sobremesa açucarada, os doces, os caramelos, as guloseimas que matam a
fome e que tomam tempo para serem feitas. Tudo bem que tem os que gostam de
ficar na cozinha. Nada contra. Eu, particularmente, não gosto é de lavar louça.
Uma preguiça descomunal me toma e me sinto escravo do tempo. Minhas mãos e meu
corpo reclamam. E há também os que gostam disso. Têm prazer em esfregar e esfregar
panelas, fôrmas, talheres, copos. Do mesmo modo, não tenho nada contra.
Acreditam que tenho uma cunhada adoradora de passar roupa! Sempre me fala que,
se pudesse, ficaria passando roupa todos os dias, o dia inteiro. Aposto que se
ela tivesse nascido na época do ferro a brasa não pensaria assim.
Voltando ao supermercado, mais
especificamente ao açúcar vilão e atraente, temos um caminho a seguir, uma
solução não tão saborosa, mas eficaz. Falo do açúcar diet, aquele que, pelo menos em nossa mente, não funciona. Mas acreditem:
ele funciona mesmo. Conheço gentes que o usam e que juram ser ele supimpa.
Outra possibilidade, neste
labirinto alimentício da vida cheio de armadilhas, é o adoçante simples e
barato que pode nos servir e muito. Ele é muitas vezes famigerado, detestado
por muitos, persona non grata quase
sempre. Mas é também filho de Deus, ora! Assim como o açúcar. Parodiando as
bíblias, digo que tudo é filho de Deus, mas nem tudo nos convém. Eu mesmo, se
consumo açúcar, já vou dentro de uns três meses começando a dar adeus às minhas
roupas e buscando outras que não me apertem tanto. Como diz muita gente por aí:
“eu num se dô com açúca!”.
Mas cuidado com o adoçante,
viu!? Nada de aspartame, nem pensar mesmo, que muitos dizeres embasados já
cansaram de pontuar os riscos à saúde que essa substância pode apresentar. Além
disso, cuidado também com um certo amargor que a maioria dos adoçantes tem. A
vida já tem tantos amargores! Adocicar um pouco o viver não faz mal, não é
mesmo?! O problema é que os adoçantes com sucralose, mais docinhos que os
outros, são mais caros. E também há quem os destrate no que diz respeito aos
males possíveis à saúde. Haja coragem de nossa parte! E também força, esforço e
reforço dos nossos bolsos!
Outra coisa digo: tomo sempre certo
cuidado com os adoçantes. Chega a ser uma hesitação que toma tempo lá no
supermercado. Aquelas embalagens transparentes e lindas, que me dão medo e atraem.
Perco muito tempo mesmo com elas. Mas que fazer?! O jeito é namorá-las,
estudá-las com esmero, para ver se compensa ou não fazê-las nossas consortes,
nossas amantes cotidianas.
Uns frasquinhos vêm com coisas
de se amar. Uma xícara de café e de aroma agreste. Pequenas margaridas simples
e magras, bonitas no seu existir mesmo podadas, dando um ar de natureza, de
algo saudável e vivificante. Um copo cheio de suco e um canudinho em seu
interior, esperando por boca sequiosa e preocupada com a saúde – tomara que que
não seja um suco de pó seco e sem vida, com aquele aroma sintetizado como os
sentimentos falsos. Laranjas fatiadas e maçãs inteiras, robustas, brilhando –
nem pensamos que sejam frutas cheias de agrotóxicos; pensar isso nos intoxica.
E tudo isso sobre mesa invisível, dando ar de leveza ao que comeremos e beberemos
e, é logico, a todos nós – os esfomeados.
Mas eis que lá no centro de
tudo, na mesma embalagenzinha, algo nos laça: um bolo redondo, delicioso,
trajando cobertura densa e branca! Tudo bem que encimado de moranguinhos, mas
isso não retira seu ar glutão e lerdo. É um bolo doce, com certeza. Dulcíssimo,
de dar água na boca. E ele está ali, entre suco saudável, café diet, frutas benfazejas e margaridas
aéreas como o ar. O que fazer então, diante de tamanho paradoxo?
Poderão dizer que é bolo para
jejuns, feito com o adoçante a ser vendido dentro do lindo frasco. Mas quem me
garante isso? E o bolo é bolo, no final das contas. Sua forma bojuda não me
engana, antes me ama com olhos grandes, doces e dóceis.
Olho para o bolo que me olha.
Olho para o bolo no desenho, e vou logo pensando no bolo que farei em casa. Um
bolo real. Terei que lavar as louças depois, mas paciência. A comilança
compensará.
Então pego o vidrinho de adoçante. O vidrinho indecente que me açula.
Volto para casa sem mais culpas. A vida precisa ser adoçada.
© Evaldo Balbino 2017