Evaldo Balbino
Meu
amigo Edilson Miranda postou no Facebook um poema seu intitulado “Às palavras
surgindo das trevas”. O texto fala do amor que vem e atormenta, do amor que
chega e causa desequilíbrio, espera, ansiedade, desejo incontrolável de amor e
de amar.
Na
ilustração, uma cabeça cheia de palavras, atravessada vertiginosamente de
letras tresloucadas numa torrente forte, invencível. E da boca semiaberta essas
palavras e letras saem, também numa corrente irreversível para o mundo. Assim é
o poema, uma enxurrada de lamento, de questionamento sobre o porquê de o amor
chegar tão doloroso por justamente causar dor e excitação que incomodam. Não
sei de quem é o desenho. Se do autor do poema ou se de outra pessoa atormentada
por palavras ou, por que não?, também pelo amor.
Quem
ama fala. Seja com gestos ou palavras, claros ou esmaecidos. Quem ama se
denuncia, sem mais nem menos, mesmo quando não quer. Uma fuga do olhar, um
pensar que não para facilmente, uma obsessão do pensamento sem fim, o recuo do
corpo, o desejo de se ver bonito diante de quem se ama. E quando fala com
palavras, o amor também titubeia ou é firme, relutante ou decidido. De qualquer
modo, calmo ou irrequieto, tímido ou atrevido, o amor é coisa que nos torna
incomodados, é motor que nos move ao nosso bel-prazer. Nesse sentido, o amor
pode se confundir com a paixão, sem percebermos relação de anterioridade e
posterioridade entre esses dois sentimentos.
Falemos
aqui especificamente do amor que nos invade, que chega e nos queima o nosso
frio sem pedir licença. Falemos a partir das palavras do referido poema de meu
amigo.
A
Primavera, a alegria, o perfume, as cores, a leveza, a brisa, o
acalento. Tudo isso poderia ser os modos de o amor se achegar a nós. E ele de
fato chega por esses caminhos. Mas não só assim. Outras alamedas lhe são também
passagem. Outros caminhos servem também aos pés amantes e furtadores; a esses
pés que vêm e roubam, na calada da noite, a nossa alma, o nosso corpo.
Aí,
nesse ponto, quando o ladrão de nossas vontades se aproxima sem pedir
consentimento, amor e paixão se confundem. A afetividade que tem o outro em
conta, que se preocupa com seus sentimentos, com seu estado de espírito e
corpo, com sua vida se vai bem ou não, com seus problemas – essa afetividade
não vai embora, não se apaga na escuridão do egoísmo. É nesse mesmo ponto de
advento inconsentido do amor que o altruísmo não morre, não desaparece, mas
convive de modo tenso com um apego próprio, com a obsessão de se satisfazerem
os próprios desejos. Amamos o outro; ele é objeto do nosso desejo. Sem ele,
ficamos sem chão, nossos pés caminham descontrolados, e nós naquela ilusão –
boa ou má (depende do ponto de vista) – de que sem o ser amado não temos
arrimo. E o nosso mundo parece querer desabar a qualquer momento.
A
erupção em nós se expande, o vulcão transborda e um fogo ardente alastra-se em
nossa existência corporal e espiritual, como se diz no poema do meu amigo. Essa
chama nos "queima por dentro".
Nesse
sentido, o amor, vindo por esses caminhos enviesados, sem pedir licença, bem na
calada da noite, é um ladrão astuto e fascinante. Esse mesmo amor nasce do escuro em nossas
vontades. Não vem de uma arbitrariedade do indivíduo. Viramos marionetes,
títeres avassalados. É desrazão tudo isso?! Que seja. Também de ilusões nos
erigimos.
Vê-se,
então, que é também das trevas que vêm o calor, a erupção, o fulgor. O nosso não
consentimento não basta para que o outro não nos invada, nem que seja em
pensamento. Nosso poder de relutar existe, mas arrefecido. Chega em muitos
casos a quase se apagar. Fica sem luz até. A escuridão, no entanto, não é
ausência de luz. Ela é a presença do fogo. O escuro também ama. Do mesmo modo
queima.
O
poema do meu amigo me fez pensar tudo isso. Ilusões!? Elucubrações de um mero
ser que não é psicólogo, que sequer consultor sentimental chega a ser?! Que
seja tudo isso. Palavras me atravessam. E ciência nenhuma me serve nessa hora
de enxurrada me lavando e levando.
Palavras me carregam, como os sentimentos
que me domam e nos domam a todos. Mais fortes são essas doidices em alguns
momentos, mais brandas em outros. Alguém já deve ter escrito que nem só de
razão vivem as pessoas, mas também de toda as loucuras possíveis desta vida. Se
ninguém escreveu isso, escrevo agora.
© Evaldo Balbino 2018
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