By Elimar do Carmo - 2017
Evaldo Balbino
Nome pega e todo mundo sabe disso. Estudiosos
da linguagem podem até falar que as palavras são arbitrárias, que são roupas
que se vestem e que se desvestem em diferentes culturas. Não estou aqui para
negar a ciência da linguagem. Mas a experiência é a base da vivência, e por
isso não deixo de sentir que as palavras são as caras e as almas dos objetos que
elas nomeiam.
Nome de pessoa, por exemplo. A gente
conhece alguém e nunca mais consegue separar o nome da cara. Tentem trocar o
nome de uma pessoa conhecida, e vocês verão que tristeza, suas mentes buscando
perceber aquele rosto com outro nome. Isso não desce de jeito nenhum por goela
abaixo. No final das contas, a cara do fulano tem a cara do nome dele, o rosto
da beltrana é o seu próprio nome. Imaginem, por exemplo, se tenho há anos uma
vizinha chamada Dulce, e de repente me chegam e dizem que o nome dela é
Lourdes. Aí minha cabeça entra em parafuso e minha teimosia antiga não deixa
meus olhos verem Lourdes onde sempre viram Dulce.
E com comida o mesmo acontece. Alguém já
viu macarronada com cara de feijoada? Ou arroz parecendo angu? De jeito nenhum!
A comida também vai ganhando a cara do seu nome. E assim vamos pondo cada
coisa, cada comida em seu lugar. Batizamos tudo, e os nomes de pia vão seguindo
pela vida afora, entranhados nas coisas.
Quando criança, eu levava tão a sério esse
negócio de nomes, que cismava demais da conta com alguns nomes de comida.
Porque os nomes têm cara, podem ter certeza.
Churrasco era coisa incômoda. Para menino
acostumado que eu era lá na roça a ver cana moída nos engenhos, inevitavelmente
churrasco me fazia pensar em bagaço de cana. Não me perguntem por que tamanha
confusão. Era ouvir falarem em churrasco, me vinha na mente aquele monte de
cana triturada, a montanha de bagaço no canto do terreiro.
Vaca atolada, nem se fala. Um dia meu tio falou
que fora num restaurante em São João del-Rei e que lhe serviram esse nome
esquisito. Fiquei pensando numa vaca atolada de verdade. E como eu só a tinha
visto atolada em brejo uma vez na casa dum primo, então fui imaginando meu tio comento
barro fedido com uma vaca dentro.
Nhoque, nem pensar! Como eu faria para
comer essa coisa, ouvida só de nome porque nunca a tinha visto? Palavra
esquisita. Parecia que eu é que seria comido por nome tão glutão assim. Via-me
diante do prato e, de repente, NHOC!!!
Adeus, menino guloso!
Mamãe dizia que dava muita comida boa ao
lado de corregozinhos. Um dia ela falou que iria cortar Serratucano para o
nosso jantar. Fiquei com medo do nome. Parecia algo que serrava tucano. Uma ave
tão bonita não podia morrer daquele jeito violento que o nome da guloseima prenunciava.
Só fui ficar tranquilo depois que vi que o dito cujo apanhado por mamãe era um brotinho
mais ou menos que nem broto de bambu.
E por falar em serrar, desde muito cedo
comecei a conviver com a serralha. “Muito amarga”, minha irmãzinha reclamava. O
nome era feio, pois me fazia pensar em algo que cortava, que podia nos serrar
em vários pedaços. Mas depois que eu vi que os vários pedacinhos eram a própria
serralha que mamãe cortava, uns filamentos fininhos de dar gosto que nem chuva
fina gostosa, nunca mais pensei coisas tortas dessa verdura. E passei até a
amá-la quando comida com angu e macoco em panela de ferro.
E o pé-de-moleque, o que fazer com esse
nome? Quando bem pequeno mesmo, eu não ia a festas juninas. Somente depois, lá
pelos sete ou oito anos, é que comecei a ir. Eram as festas da escola. E que
espanto tive quando me falaram do pé-de-moleque! Imaginei um pé de criança
sendo comido. E um horror tomou conta de mim. Só depois é que fui ver que se
tratava de um doce gostoso e tentador.
Falando assim desses
nomes de comida, uma vontade de comer exatamente tudo isso me assalta. E aí
lembro (e como lembro!) de pamonha, daquela que se fazia na minha região, massa
feita de fubá e assada em folha de bananeira. Gostava de comê-la, mas não
gostava do seu nome. E isso porque ele me fazia lembrar quando meus irmãos gritavam
comigo: “Ê, pamonha, anda mais rápido com isso!”, “Você é lerdo mesmo, hein,
pamonha!”. E então o nome me atazanava, me dava raiva. Mas a pamonha assada,
essa me fazia ser feliz, me dava entradas para o Paraíso, para esse nome bonito
e florido, um bom lugar para se viver.
© Evaldo Balbino 2017
Amo ler suas crônicas Evaldo! E elas estão cada vez melhores!Parabéns!
ResponderExcluirFernanda, querida, obrigado pelo carinho!!! É por ter leitores assim que vamos escrevendo, pois a literatura não se faz apenas de escritores. É bom ouvir isso de você!!! Um abraço amigo desde a nossa infância. Beijos.
ResponderExcluirAdorei!!
ResponderExcluirQue bom, Andreia!!! Muito obrigado pela leitura!!! Abraços!
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