Verso do poema "(Des)motivo" - do livro "Moinho" - 1ª edição 2006; 2ª edição 2021

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Dize-me, Temer, com quem andas



Michel Temer foi denunciado anteontem pela Procuradoria Geral da República – PGR. Acusação: corrupção passiva. O Código Penal, em seu artigo 317, define tal crime como sendo o de "solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
Devido a isso, o presidente cancelou ontem sua agenda no Planalto para defender-se mais uma vez. No vídeo que gravou, supostamente para o povo brasileiro, ele acusou o delator Joesley Batista, o ex-procurador da República Marcelo Miller (que deixou o Ministério Público Federal – MPF – para atuar em um escritório de advocacia que negociou o acordo de leniência do grupo JBS) e, sem nomear, acusou também o atual procurador-geral Rodrigo Janot.
Buscando culpar delatores, advogados de delatores e acusadores, Michel Temer tenta, mas não consegue, tapar o sol sombrio com a peneira. É que os furos da peneira que ele usa já são grandes demais. E os fachos de sombra que a atravessam são nítidos. Escancarados, porque escancarada já está a podridão na política brasileira. O nosso presidente busca de todos os modos vedar uma sepultura delatora, e para isso usa os poderes que lhe estão disponíveis, inclusive os do cargo público que ora ocupa. Mas não adianta: o cadáver já está putrefato. Só não sente o mau cheiro quem não tem bom senso.
Sem aqui colocar a mão no fogo por outrem, pois não se quer arriscar que ela se queime, afirmo que o presidente busca infrações nos referidos alvos para tentar se livrar dos pesos que lhe imputam culpa e ingovernabilidade. Na luta incessante pela autodefesa, nenhum governante consegue governar.
E mais ainda, não consegue governar, no caso de Temer, porque já perdeu a credibilidade segundo a opinião da maioria dos brasileiros. Basta vermos as sérias pesquisas destacando nos últimos dias a voz do povo que, segundo a tradição, é a voz de Deus. Se isso nem sempre é verdade, pelo menos às vezes é assim mesmo.
O mais interessante na autodefesa de Michel Temer é vê-lo enxovalhando pessoas com quem, até outro dia mesmo, ele se relacionava em conversa clandestina no Palácio do Jaburu, e isso na calada da noite. O homem a que ele hoje chama de “senhor grampeador” (o que é verdade) é o mesmo que lhe confidenciava crimes, perante os quais ele assentia como um bom companheiro. Pois todos nós sabemos: o atual presidente, pela gravação que não sofreu nenhuma adulteração segundo laudo da Polícia Federal, foi conivente com um criminoso. E isso no exercício de suas funções presidenciáveis. O provérbio popular “Dize-me com quem andas e direi quem és” carrega consigo equívocos, pois tudo na vida é relativo. No caso de Temer, porém, esse provérbio é plenamente cabível.
Um presidente pode sim receber e ouvir a todos no seu palácio, conforme o próprio acusado fez questão de dizer aos quatro ventos logo após a divulgação da sua conversa gravada com o empresário Joesley Batista. No entanto, daí a ouvir crimes e nada fazer, já é demais. Houve, por certo, conivência, o que já é crime. E se existe algo mais, cabe à justiça averiguar.
No vídeo de ontem, depois da denúncia protocolada pela PGR, Temer proferiu uma linda pérola, tão falsa como seu governo. Soltou um comentário de fazer os ouvidos rirem. “Tenho orgulho de ser presidente. Convenhamos, é uma coisa extraordinária. Para mim é algo tocante. É algo que, não sei como Deus me colocou aqui, dando-me uma tarefa difícil, mas certamente para que eu pudesse cumpri-la...”. De fato, depois dessa fala tão cômica, o locutor em tela virou piada nas redes sociais. Agora um golpe parlamentar, baixo e de bastidores nem tão escondidos assim, mudou de nome; virou Deus.
De uma coisa tenho certeza, Temer: com Deus é que não andas! Pelo menos não no teu papel de presidente.

© Evaldo Balbino 2017

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