Terê Silva pontua de imediato, no seu livro As mulheres em mim, a metamorfose como constitutiva do ser. No caso, do ser mulher. Já na 1ª orelha da brochura, comparece esta imagem: "Como borboletas multicores / Visitando as inúmeras flores / Em um imenso jardim / Assim são as minhas metamorfoses". No texto de apresentação da obra, Thayane Renata Silva Andrade nos diz que "Este livro não se destina somente às mulheres. Ao lerem os poemas que o compõem, os homens terão a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a essência feminina, muitas vezes consideradas [as mulheres] por eles como bastante complicadas" (p. 6). A mesma prefaciadora, na sequência, aponta o poema "Mulher Lua" como exemplo de "uma mulher em constante modificação" (p. 6). Ora, esse processo contínuo de modificações nega as essências. Mesmo que o sujeito poético de Terê Silva assuma às vezes a postura da essência, no todo o que ressalta em seu trabalho poético é a mutabilidade, ou seja, o reverso da concepção ontológica da existência.
Na "Dedicatória", surgem expressões que apontam para a ideia da pluralidade, da diversidade que compõe o ser feminino, tais como "representações daquelas que em mim se manifestam" e "a multiplicidade das mulheres que vivem em cada uma de nós". Assim, diferentes mulheres se mani-festam na poesia de Terê Silva. Pela manufatura da poesia, eis a festa das identidades: "Paradoxos se instauram em meu ser" (p. 52).
O livro divide-se em pequenas 19 partes, sendo que em cada uma comparecem predominantemente 02 poemas, cada qual representando, um em relação ao outro, o extremo oposto de uma representação. Assim a voz poética é atravessada por binarismos, por sentimentos, ações e posturas opostos em convivência: inspiração e poesia, aço e palha, guerra e paz, coragem e temor, fortaleza e fragilidade, suficiência e carência, doação e apego, tolerância e severidade, coerência e contradição, esperança e decepção, sucesso e fracasso, orgulho e humildade, ciúme e desprendimento, Sol e Lua, clamor e silêncio, leitura e escrita, infância/juventude e maturidade, sonho e realidade...
Na pluralidade feminina, a imagem "mulher de fases" se aproxima da Lua sem deixar de ser o Sol, e as metamorfoses se encadeiam: "As manifestações em mim se revelam / Inesperadamente / Constantemente / Nuances de diversas mulheres / Em uma só" (p. 11). O diverso na unidade, uma tensão que não se resolve e na qual tudo, ao fim e ao cabo, é aparência e não essência: "Estas mulheres [imperfeitas] se apresentam sempre / Retiram as máscaras da aparente perfeição" (p. 13). Em meio às contradições da vida, o que se tem é "uma luta constante / entre o que revelar e o que esconder" (p. 19). A despeito da multiplicidade, eis que surge o Sol abraçando a Lua, um encontro não a provocar eclipse e apagamento, mas a luminosidade da aproximação de contrários: "Entre o dia e a noite, / o sol abraça a lua / e se despede / até um novo amanhecer" (p. 73).
Reconhecendo os próprios defeitos e buscando a perfeição, a mulher "Vence suas batalhas interiores" (p. 27) e, num movimento para o exterior, sonha "com um mundo mais humano" (p. 28). Entre a coragem e o temor, a fortaleza e a fragilidade, vê-se um ser feminino forte em suas constantes quedas. E da constante carência, a busca de suficiência, pois, apesar da constatação de que "Sinto falta de um tempo não vivido" e de que "A carência afetiva me afeta" (p. 40), temos nessa poesia a mulher que persiste: "Refazendo-me para sempre me proteger" (p. 39). A imagem mais clara da carência sentida se mostra na flor murcha e seca, na ideia de abandono e solidão: "Flor murcha há muitos dias sem regar / Sensação de abandono e solidão" (p. 56). A persistência feminina se mostra neste trecho: "O sucesso não é / ausência de fracasso / e, sim, persistência diante da realidade" (p. 61).
O papel escritor da autora se mostra dividido entre o fazer poético como técnica e como inspiração, prevalecendo esta segunda postura no seu trabalho escritural. O sentimento fala mais alto, pois aí o sujeito feminino passa sua vida pelo coração e transforma "as palavras em poesia". Há busca de técnica sim, mas o sentimento é o guia, a condução da escritura: "Pela magia da inspiração / Que do nada surge / Repentinamente, invade o meu ser / E me faz escrever / E me faz viver" (p. 17). A escrita e a vida se constroem pelo poder da inspiração.
Num jogo entre as palavra "palha" e "aço", a poeta chega a "palhaço", para dizer das fraquezas como fraturas expostas, do caráter de aço na convivência eventual e social, da encenação na vida como encena um palhaço cujo sorriso pode esconder uma lágrima: "Sempre PalhAÇO / Na vida / Sempre PalhAÇO / Da vida" (p. 23). Num jogo sintático de repetição e na fusão de palavras, a caixa alta fica, toda e inteira, com a palavra AÇO, o que reforça, nessa mulher representada, a fortaleza cultivada ao longo da vida.
Nas representações das multifaces femininas, encontramos em Terê Silva a poética da busca do próprio eu. "Escondendo-me em mim mesma / Revelando-me a cada encontro / Comigo em meu silêncio / E com o outro" (p. 12). O silêncio é o estado rumoroso do ser, aquela duração da vida em que cada um se ouve, escuta a própria voz interior: "Crio um novo momento / um novo encontro comigo / no silêncio do meu silêncio" (p. 59). Eis a expressão máxima desse verdadeiro silêncio dentro de si mesmo! Tão importante esse silêncio, no sentido aqui tomado, que ele acaba por ser o encontro do sujeito consigo mesmo: "o silêncio / é o meu encontro / comigo" (p. 77).
Na busca do autoconhecimento, surge o reconhecimento da própria pequenez diante da vida. E uma humildade franciscana embala os versos de Terê Silva, nos quais comparece a constatação de que há muito para se aprender, num eco da conhecida filosofia socrática: "Nada sou / Nada faço / Nada sei" (p. 68).
Na busca do eu, o encontro com o outro. O autoconhecimento caminha juntamente com o conhecimento do outro. As preocupações com a alteridade se fazem presentes nesse eu feminino multifacetado. Além do já mencionado sonho "com um mundo mais humano" (p. 28), a aceitação do outro leva à tolerância, apesar da severidade. Uma tolerância aprendida "a duras penas" (p. 47), porque a vida, a necessária sociabilidade, nos demanda tal comportamento. Se o silêncio, conforme já visto, é busca do eu, não deixa de ser também ponte com as outras pessoas: "Meu silêncio ecoa em muitos silêncios / Como o das pessoas que se calam / Como o das pessoas que falam sem serem ouvidas / Ou se mantêm mudas mesmo gritando" (p. 80). Tais versos comungam sentimentos de solidão, fazem do sujeito mais um entre tantos: todos nós dividindo uma existência solitária sim, mas também solidária. As vozes dos que não são ouvidos comparecem nos versos de Terê Silva.
Afinal, fazer poesia não é isto?! Tecendo a palavra poética, fazemos o movimento de nós mesmos para os outros, sempre via beleza. Escrita e leitura se encontram — são gestos de convergência, de partilha. A leitura "preguiçosa" e "aconchegante", a "leitura viagem", a "humorística" e a "descontraída" (p. 83) — ou até mesmo qualquer outro tipo de leitura —, todas essas formas de ler nascem de escrituras e são escrituras. No prazer do texto, para utilizarmos aqui uma expressão do crítico e escritor francês Roland Barthes, todo ato de ler é também de escrever. As palavras de Terê Silva "se abraçam umas às outras" para, juntas, estruturarem "uma nova mensagem" (p. 84), uma voz múltipla para o silêncio.